terça-feira, 4 de março de 2008

O Testamento do Dr.Mabuse

Obra-prima de Fritz Lang, Dr.Mabuse é um filme que nos conta a história de um génio do mal. Mabuse, dotado de uma lógica quase sobre-humana, utilizava a sua fascinante mente para cometer crimes perfeitos, através da hipnose, enquanto paralelamente desenvolvia a profissão de médico numa prestigiada instituição. Ao ser apanhado, foi internado no hospício do professor Baum, uma vez que, devido aos sinais de loucura que apresentava, lhe foi reconhecido o estado de insanidade mental. Durante anos, permaneceu estático, preservando um inquietante ar fantasmagórico; mas o seu estado clínico mudou, e, deixando o estado de apatia, começou a escrever palavras e frases, ao início, sem lógica, mas que progressivamente ganharam coerência. Ao organizar esses apontamentos de Dr. Mabuse, um médico do hospício, Dr. Kramm, constatou que se tratavam de instruções para cometer roubos, e que essas mesmas instruções estavam a ser seguidas por bandidos. Professor Baum, médico que acompanhava Mabuse diariamente, considerou ridícula a hipótese de que Mabuse estivesse durante este tempo a comandar toda uma estrutura criminosa de dentro da sua cela hospitalar, fingindo um estado de loucura para ter um álibi. Quando Kramm ia à polícia contar a sua conjectura, foi brutalmente assassinado.
Inspector Lohmann, inspector da polícia, procura então o responsável pelo assassinato, enquanto paralelamente investiga a história de Hofmeister, homem que lhe estava para revelar o nome de um alto criminoso quando foi atacado, tendo mais tarde sido encontrado enquanto deambulava pelas ruas, louco. A juntar a estas duas histórias, aparece a de Tom, um desempregado que, para sobreviver, é obrigado a juntar-se ao mundo do crime, donde quer, mas não consegue, sair. Observamos o desenrolar destas três histórias que se acabarão por fundir, tendo como elemento de ligação Dr.Mabuse. Semeando o caos, Mabuse pretende instaurar um império do crime. Apesar de chegar a morrer fisicamente (ou pelo menos criando essa ilusão), o espectro de Mabuse assume o corpo do professor Baum, que já anteriormente tinha dado provas de não conseguir resistir ao poderoso controlo mental que sobre ele exercia. Foi partir deste que Mabuse organizou a sua rede criminosa, que comete crimes perfeitos não pelo dinheiro mas sim para criar a confusão e o medo, para alcançar o tal estado de anarquia. Ao descobrir isto, com a preciosa ajuda de Tom, Lohmann e este tentam capturar o professor Baum, que irá aparecer no hospício, irremediavelmente louco.Este é um policial expressionista em que o vencedor não é nem a polícia, nem o criminoso; antes a loucura. Mabuse é a sua personificação; o seu rasto é composto pelas vítimas que arrasta consigo, casos de Hofmeister e de Baum. Ninguém escapa à proximidade de Mabuse; ninguém escapa à proximidade da loucura. Somos todos confrontados com ela, e embora possamos não ser seus escravos, ela acaba por ter pelo menos uma interferência indirecta na nossa vida. A loucura é a confusão, o inesperado, algo que escapa ao nosso alcance lógico; produz em nós um estado de estupefacção, de receio, pois não entendemos a situação. O homem tem medo da loucura, tem medo daquilo com que não está habituado a deparar-se; a única forma de vencer o medo e a loucura, é não fazer de conta que não existe, e enfrentá-la.Uma obra capaz de mostrar uma realidade dura, em que os problemas acabam por não se conseguir travar, mas apenas atenuar. Não há, por isso, nenhum salvador que apareça para derrotar o mal para que o bem prevaleça; como acontece na realidade, há certas coisas que escapam ao nosso domínio; o nosso dever é tentar compreendê-las, mas nunca com a prepotência de sobre ela criarmos axiomas.
Uma obra de belo efeito, onde mais uma vez o
famigerado jogo de sombras expressionista nos proporciona imagens excelentes e onde os efeitos especiais são de grande qualidade (não só para a época, visto que o filme data do ano de 1933, como também quando comparado com alguns que são feitos hoje em dia). É também uma obra que se revela muito importante na caracterização do ambiente cultural, social e económico da época. Todo o ambiente de degradação que a Alemanha experimentou depois da primeira guerra mundial aparece expresso no filme. O desemprego, o responsável pela associação de Tom ao mundo do crime, é um bom exemplo disto.
O filme pode ser ainda interpretado como um alerta para o perigo nazi, uma crítica acérrima à loucura política. Na época, este partido ganhava cada vez mais expressão, aproveitando-se (tal como a rede criminosa de Mabuse) daqueles que viviam na miséria e que estavam por isso mais expostos a serem influenciados. Este filme foi proibido na Alemanha nazi, que chegou, no entanto, a oferecer a Fritz Lang o cargo de dirigente cinematográfico do país. Não se sabe se o realizador terá dito que precisaria de um dia para decidir, ou se terá prontamente aceite. Certo é, que no dia seguinte, Fritz Lang tinha partido para a América, declinando o convite da loucura.


João Alberto - 11º5 nº9