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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

QUEM QUER VIVER PARA SEMPRE ? " O ´SÉTIMO SELO " DE INGMAR BERGMAN


Indubitavelmente uma obra ímpar em toda a história do cinema, este filme tem mais em comum com as películas da época do cinema mudo do que com a obra cinematográfica produzida na sua época. Visualmente assombroso, este filme transporta-nos na perfeição à Idade Média; não a uma imagem estilizada e estereotipada dessa época, mas antes de um modo cru, verdadeiro e agressivo, como se conseguíssemos evocar o passado comum uma simples recordação nostálgica de algo que nuca presenciámos ou vivemos. Cineasta denso e complexo por excelência, Bergman pretende com esta obra fazer-nos reflectir sobre a existência, sobre a ausência de fé e sobre a relação de cada um com a morte e, consequentemente, com a própria vida. A trama passa-se nos Tempos Medievais, mais concretamente numa época em que toda a Europa se encontrava assolada pelo flagelo da Peste Negra.

É neste contexto que surge o cavaleiro que iremos acompanhar no decurso de toda a fita. É este homem, retornado das cruzadas, desiludido com a vida, desiludido com as convicções por que havia lutado e pela vivência que tinha levado até então; no fundo mais que conformado (e até aliviado em certa medida) com a sua própria finitude. É neste momento de crise existencial e de valores que lhe surgem complexas questões de índole ética e filosófica. Perante a força destas inquietantes dúvidas, surge inevitavelmente o desejo impetuoso de falar com alguém, de se confessar perante alguém (no fundo, perante si próprio). Eis porque o Cavaleiro chega à Igreja e se confessa, e ás suas questões, á própria morte. Desta improvável conversa com o seu próprio fim, surge a proposta e o desafio mútuo de um jogo de xadrez entre ambos. Este jogo de xadrez surge aqui então como uma tentativa de adiar o inadiável, de prolongar o desfecho mais que evidente e antecipado mentalmente por cada um de nós.

De facto, é neste caminho que se percorre intimamente com a morte que este muda a concepção da própria vida; esta busca de uma proximidade com entidades tão abstractas como a Morte; Deus, a Existência; aqui retratados de um modo tão palpável, tão concreto, tão intimo por Bergman confere-lhe e à sua obra uma genialidade incrível, como se o cineasta fosse um visionário, alguém para quem estas entidades fossem não só objecto de admiração pela sua complexidade, mas resposta a todas as questões e problemas que assolam a Humanidade. Por entre outras situações que vão decorrendo, o jogo de xadrez vai-se desenrolando incessante e inexoravelmente, contrapondo à inexpressividade calma e fatalista do cavaleiro, o sorriso irónico e sarcástico de alguém que conhece já o desfecho favorável desta partida, mesmo antes desta começar. A imagem do jogo de xadrez com a Morte permanecerá, quanto a mim, como uma das mais belas e simultaneamente terríveis imagens alguma vez criadas na História da 7a arte. Este requinte metafórico sublime tem valor, a meu ver, não tanto pela subtileza, mas exactamente pela crueza e pela riquíssima carga visual que acarreta em si mesma.



Filme difícil, de dúvida e de questionar tudo aquilo que nos habituámos a tomar como certo. Face à consciencialização individual da evidencia cruel da brevidade humana, a personagem central contrapõe um desprendimento e uma procura do verdadeiro sentido da existência. Uma busca incessante da inevitabilidade daquilo que se encontra para além do real que experienciamos cada dia na nossa vivência terrena. É esta procura de Deus, por um homem já sem fé que a mim me toca profundamente. A necessidade de um Deus real, com respostas concretas a problemas reais e ás dúvidas de cada um de nós. Um Deus que não se manifeste através de "milagres" duvidosos mas por diálogo, um Deus de compreensão e não de castigo, de igualdade perante os homens e não de superioridade. Eis pois, porque este filme é hoje tão, actual como no dia em que estreou, porque as questões que coloca são intemporais e dizem respeito a cada um de nós. O valor deste filme é devido, não tanto ás respostas que nos fornece, mas sim pelas questões que coloca. Obrigatório e indispensável.
Manuel Jorge Pereira nº13 12º2

terça-feira, 17 de novembro de 2009

PENSAR O CINEMA - UM PERCURSO DE INICIAÇÃO À CINEFILIA

Roteiro de Sensibilização :

*A dicotomia original - IRMÃOS LUMIÉRE, G. MELIÉS

*Arquétipos do Mudo - D.W. GRIFFITH, C. CHAPLIN, B. KEATON

*O Expressionismo Alemão - F. MURNAU, R. WIENE e F. LANG

*O “Evil Touch” do “Citizen” O. WELLES

*A Arte na Revolução - O “Couraçado” S. EISENSTEIN

*As cores e Odores do “FILM- NOIR”

*“O meu nome é JOHN FORD e faço WESTERNS”

*O NEO - REALISMO Italiano

*Os “Cahiers” e a “NOUVELLE VAGUE” »» Truffaut, Godard, Chabrol

*“O homem que sabia demais”- o“peso”de A. HITCHCOCK

*“Este homem é do Norte” - a “persona” I. BERGMAN

*Um olhar Japonês - O Samurai A. KUROSAWA

*O (seu) caso Português - Manoel de OLIVEIRA

*"O Cinema Contemporâneo - Alguns Autores”:

- DAVID LYNCH e DAVID CRONENBERG

- MARTIN SCORSESE e JOHN CARPENTER

- JOEL e ETHAN COEN e TERRENCE MALICK

- DAVID FINCHER e QUENTIN TARANTINO

segunda-feira, 27 de abril de 2009

M – Matou

Fritz Lang, aclamado realizador alemão, foi, provavelmente, um dos maiores génios do cinema, sendo por isso difícil afirmar qual foi a sua verdadeira obra-prima.
Mesmo não sendo, unanimemente, considerada a obra de excelência de Fritz Lang, Matou é um filme incontornável, de importante relevo quer no quadro da cinematografia de Lang, quer dentro da própria história do cinema, sendo um dos mais conhecidos símbolos do Expressionismo Alemão.
Este é o primeiro filme sonoro de Lang e, possivelmente, o primeiro da história do cinema em que o som tem tão destacada importância para o desenrolar da obra.
Matou conta-nos a história de um assassino de crianças, Beckert que aterroriza e mantém em constante sobressalto os habitantes da pequena cidade de Dusseldorf.
A polícia, tal como é seu dever, inicia a investigação dos crimes, destacando para isso a emblemática figura do inspector Lohmann. No entanto, as investigações não conseguem alcançar o desfecho ambicionado: mais crimes acontecem e a já amedrontada população adopta uma desproporcionada atitude de desconfiança perante tudo e todos.
Persistente e incansável, o inspector Lohmann reforça as investigações, embrenhando-se nas obscuras e corruptas entranhas da cidade.

Esta atitude desagrada a todos os que vivendo à margem da lei, se sentem lesados por estas investigações, que os privam da sua fonte de sustento. Decididos a apanhar o assassino e a restabelecer a normalidade, os criminosos reúnem-se, mobilizam os meios necessários e dão início às suas investigações. Através da aliança que estabelecem com o sindicato dos mendigos, conseguem montar uma eficaz rede de vigilância que lhes permite controlar toda a cidade.
Por todo o lado se multiplicam os olhares atentos a qualquer suspeita, qualquer sinal, qualquer pista que pudesse permitir a identificação do assassino. Contudo este acaba por ser descoberto por alguém que não podia ver esses sinais que todos os outros tanto procuravam. Beckert, é esse o nome do infanticida, é descoberto por um mendigo, cego, que não tendo outra forma de ver o mundo sem ser através dos sons, reconhece a melodia obsessivamente assobiada pelo assassino, quando se preparava para executar mais um crime, e o denuncia aos seus companheiros.
Começa então a implacável perseguição a Beckert que culmina na sua detenção por parte dos criminosos. Estes concedem-lhe um simulacro de julgamento, providenciam-lhe um advogado de defesa, que não impede que lhe seja atribuída a aplicação da pena máxima, da qual Beckert só é salvo pela repentina chegada da polícia.
No seu julgamento oficial, Beckert acaba por ser considerado um doente, um louco e escapa por isso à pena máxima. A mensagem final de Lang é clara – “protejam os vossos filhos”, e protejam-se a vós próprios, poderíamos acrescentar. Protejam-se do mal que existe e do mal que se pode abater sobre vós, da forma mais absurda e irracional, porque quando ele chega ninguém escapa, especialmente porque quando é trazido pela loucura, torna-se incontrolável.

Esta loucura do homem é um tema recorrente em Lang, estando também expressa de forma exacerbada na trilogia do Dr. Mabuse - Dr. Mabuse, O jogador de 1922, O testamento do Dr. Mabuse, de 1933, Os mil olhos do Dr. Mabuse, a sua obta terminal - que nos tenta alertar para o poder imprevisível da loucura, para a forma como transfigura o homem e o incapacita, impedindo-o de ter consciência ou controlar as suas próprias acções.
O discurso final de Beckert sobre esse poder da loucura é impressionante e transmite claramente a ideia de Lang. Mas, este discurso foca ainda um outro factor muito importante, o medo: Beckert tem mais medo de si do que dos outros, e enquanto conserva este medo irracional, aumenta a ténue linha que o separa da loucura.
Esta associação entre loucura e medo faz com que o filme seja muitas vezes referenciado como um aviso do perigo nazi, de tal forma que o título original “Os assassinos estão entre nós” foi retirado, por receio das reacções do partido nazi.
De facto, os ideais nazis são, muito provavelmente, a expressão máxima da influência da loucura na mente humana, e o medo seria uma boa forma de construir uma barreira isolante capaz de nos proteger deles.

Patrícia Abreu 11º4

quarta-feira, 5 de março de 2008

CINEFALCO


Relatar a minha passagem pelo Cinefalco é escavar um contexto muito específico a diversos níveis, é voltar a pesquisar significados num percurso indissociável de tantas outras vivências, é recordar o que foi uma
busca e, sem o saber, se revelou um achado.
Recordar não é viver de novo, mas é sem dúvida cimentar o que se viveu. É também interligar velhas encruzilhadas, clarificar um certo tom baço teimosamente subsistente. É, além deste exercício íntimo, a partilha do fortalecimento e da formação enquanto pessoa em crescimento permanente, enquanto ser em busca de algo que o definisse. Esse encontro frontal com o cinema, com um novo modo de ver o cinema e a vida no cinema, reveste-se de uma intensidade mais gritante quanto mais feroz era o desamparo e o sentimento de deriva numa escola, em todo um processo algo afastado de muito a que me pudesse socorrer ou sustentar na ânsia, natural, de crescer identificado com algo. Mesmo que essa caminhada se salpicasse pela margem, alheada dos moldes da normalidade, mesmo que nem no desvio conseguisse encontrar uma norma.
O encontro, o confronto também, não seria possível sem a figura do professor, inabalavelmente querendo ensinar a quem inabalavelmente queria aprender. Voz de agressiva inconformidade, voz de serena inquietude revelando novos trilhos sobre o ecrã sempre pairando por detrás de si, fintando as tristemente solitárias tardes de quarta-feira com a invariável vontade de estar presente. Tristes pelo desinteresse geral, tristes por um olhar que assim subsistiu tolhido em algum isolamento, mas redobrado em cumplicidade, em partilha, no sustentar de uma relação que cresceu e se alimentou em grande parte dessa persistência, desse interesse nunca derrotado, dessa fome de saber, mais forte que tudo em redor.
Do interesse em aprofundar esse olhar, à vontade em querer partilhá-lo pela escrita, percorreu-se uma considerável distância num pulo humilde mas audaz e consistente. É quando o querer saber sempre mais se alia ao fervilhar desse desejo, que o resguardar para si mesmo se torna insustentável, crescendo com incontornável força a necessidade de mostrar, de dissecar ainda mais o objecto que se ama para um público com o qual se pretendia comunicar sem barreiras, em olhar frontal de amizade e cumplicidade. Um público que se desejava e deseja participativo, leitor interessado de um jornal que sobrevivia e sobrevive pela força do trabalho, pela paixão de (de)ver feito, de saber completo um esforço comum, pela garra de se assumir vivo e tornear o entorpecimento geral.
Hoje resiste à erosão do tempo uma alegria distanciada, um conforto em saber ter acontecido, ter feito parte com mais algumas pessoas de um passado recente que deixou marcas, que subsiste indelével porque indeteriorável. Um passado que resiste intocável porque avesso a modas, tendências ou adulterações, um passado pleno de camaradagem e de amizades que resistem ao passar dos anos... as de carne e osso e as de celulóide.
Hoje o caminho é bem menos turvo e bem mais definido. As inquietações subsistem, talvez com outra roupagem, porque inquieto é todo aquele que não consegue deixar de pensar o mundo em que se encontra, que o quer agarrar em vez de cobardemente pairar sobre ele. Ao professor Luís Ribeiro agradeço muito do que posso considerar ser hoje, muito do trilho pelo qual enveredei, muito do material com que me fui construindo neste tempos. Agradeço-lhe o interesse, agradeço-lhe a vontade de acreditar e a persistência em mostrar que ao crescermos para os outros, crescemos também face a nós mesmos. As "lições", as dicas, as conversas, cinéfilas e não só, foram agarradas com força e exactidão, numa ânsia que não estagna, mas evolui, alimentando-se de si mesma num ciclo que espero interminável.


Manuel Jorge Pereira - Curso de Estudos Artísticos da U.C.

terça-feira, 4 de março de 2008

O Testamento do Dr.Mabuse

Obra-prima de Fritz Lang, Dr.Mabuse é um filme que nos conta a história de um génio do mal. Mabuse, dotado de uma lógica quase sobre-humana, utilizava a sua fascinante mente para cometer crimes perfeitos, através da hipnose, enquanto paralelamente desenvolvia a profissão de médico numa prestigiada instituição. Ao ser apanhado, foi internado no hospício do professor Baum, uma vez que, devido aos sinais de loucura que apresentava, lhe foi reconhecido o estado de insanidade mental. Durante anos, permaneceu estático, preservando um inquietante ar fantasmagórico; mas o seu estado clínico mudou, e, deixando o estado de apatia, começou a escrever palavras e frases, ao início, sem lógica, mas que progressivamente ganharam coerência. Ao organizar esses apontamentos de Dr. Mabuse, um médico do hospício, Dr. Kramm, constatou que se tratavam de instruções para cometer roubos, e que essas mesmas instruções estavam a ser seguidas por bandidos. Professor Baum, médico que acompanhava Mabuse diariamente, considerou ridícula a hipótese de que Mabuse estivesse durante este tempo a comandar toda uma estrutura criminosa de dentro da sua cela hospitalar, fingindo um estado de loucura para ter um álibi. Quando Kramm ia à polícia contar a sua conjectura, foi brutalmente assassinado.
Inspector Lohmann, inspector da polícia, procura então o responsável pelo assassinato, enquanto paralelamente investiga a história de Hofmeister, homem que lhe estava para revelar o nome de um alto criminoso quando foi atacado, tendo mais tarde sido encontrado enquanto deambulava pelas ruas, louco. A juntar a estas duas histórias, aparece a de Tom, um desempregado que, para sobreviver, é obrigado a juntar-se ao mundo do crime, donde quer, mas não consegue, sair. Observamos o desenrolar destas três histórias que se acabarão por fundir, tendo como elemento de ligação Dr.Mabuse. Semeando o caos, Mabuse pretende instaurar um império do crime. Apesar de chegar a morrer fisicamente (ou pelo menos criando essa ilusão), o espectro de Mabuse assume o corpo do professor Baum, que já anteriormente tinha dado provas de não conseguir resistir ao poderoso controlo mental que sobre ele exercia. Foi partir deste que Mabuse organizou a sua rede criminosa, que comete crimes perfeitos não pelo dinheiro mas sim para criar a confusão e o medo, para alcançar o tal estado de anarquia. Ao descobrir isto, com a preciosa ajuda de Tom, Lohmann e este tentam capturar o professor Baum, que irá aparecer no hospício, irremediavelmente louco.Este é um policial expressionista em que o vencedor não é nem a polícia, nem o criminoso; antes a loucura. Mabuse é a sua personificação; o seu rasto é composto pelas vítimas que arrasta consigo, casos de Hofmeister e de Baum. Ninguém escapa à proximidade de Mabuse; ninguém escapa à proximidade da loucura. Somos todos confrontados com ela, e embora possamos não ser seus escravos, ela acaba por ter pelo menos uma interferência indirecta na nossa vida. A loucura é a confusão, o inesperado, algo que escapa ao nosso alcance lógico; produz em nós um estado de estupefacção, de receio, pois não entendemos a situação. O homem tem medo da loucura, tem medo daquilo com que não está habituado a deparar-se; a única forma de vencer o medo e a loucura, é não fazer de conta que não existe, e enfrentá-la.Uma obra capaz de mostrar uma realidade dura, em que os problemas acabam por não se conseguir travar, mas apenas atenuar. Não há, por isso, nenhum salvador que apareça para derrotar o mal para que o bem prevaleça; como acontece na realidade, há certas coisas que escapam ao nosso domínio; o nosso dever é tentar compreendê-las, mas nunca com a prepotência de sobre ela criarmos axiomas.
Uma obra de belo efeito, onde mais uma vez o
famigerado jogo de sombras expressionista nos proporciona imagens excelentes e onde os efeitos especiais são de grande qualidade (não só para a época, visto que o filme data do ano de 1933, como também quando comparado com alguns que são feitos hoje em dia). É também uma obra que se revela muito importante na caracterização do ambiente cultural, social e económico da época. Todo o ambiente de degradação que a Alemanha experimentou depois da primeira guerra mundial aparece expresso no filme. O desemprego, o responsável pela associação de Tom ao mundo do crime, é um bom exemplo disto.
O filme pode ser ainda interpretado como um alerta para o perigo nazi, uma crítica acérrima à loucura política. Na época, este partido ganhava cada vez mais expressão, aproveitando-se (tal como a rede criminosa de Mabuse) daqueles que viviam na miséria e que estavam por isso mais expostos a serem influenciados. Este filme foi proibido na Alemanha nazi, que chegou, no entanto, a oferecer a Fritz Lang o cargo de dirigente cinematográfico do país. Não se sabe se o realizador terá dito que precisaria de um dia para decidir, ou se terá prontamente aceite. Certo é, que no dia seguinte, Fritz Lang tinha partido para a América, declinando o convite da loucura.


João Alberto - 11º5 nº9