À existência, em simultâneo, de uma grande cultura científico-tecnológica e de cinco sextos da população mundial a viver em péssimas condições não se chama paradoxo, mas sim infeliz consequência do poder enorme que o dinheiro exerce na nossa vida em sociedade.
Temos automóveis, aeronaves e comboios, excelentes meios de transporte que nos permitem fazer quilómetros num curto espaço de tempo relativamente à velocidade com que caminhamos, que nos permitem ver o mundo, explorar novas culturas e que, por isso, literalmente, nos transportam para novas realidades. Podemos todos usufruir destas maravilhosas máquinas da tecnologia? Não! E porquê? É necessário capital para o fazer e milhões não o têm.
Temos televisões, telemóveis e internet, os meios modernos e eficazes de comunicação. Graças a estes meios podemos manter o conhecimento e a visão que temos do mundo minimamente actualizados, podemos manter um contacto permanente com as outras pessoas, importante para o ser sociável que nós somos. Podemos todos usufruir destas maravilhosas invenções da física? Não! E porquê? É necessário capital para o fazer e novamente, milhões não o têm.
Já desenvolvemos fantásticos meios de irrigação e já conseguimos fazer a “reciclagem da água”. Podemos todos usufruir de água potável? Não! E porquê? Novamente, porque é indispensável o dinheiro para pagar a sobrevivência.
Temos a capacidade de manipular geneticamente certos alimentos de maneira a poder fazer com que alguns deles sejam capazes de sobreviver em condições extremas. Fazemos isto? Não! Porque o único interesse que há em manipular alimentos, é em faze-los mais bonitos e faze-los viver mais tempo nas prateleiras de todas as grandes superfícies comerciais.
Temos a capacidade de unir a arquitectura à tecnologia, de construir prédios tão altos em zonas áridas e ventosas que graças à sua forma conseguem ser aerodinâmicos de maneira a nem sequer vibrarem, como é o caso da torre construída no Dubai, a nova torre onde os apartamentos são os mais caros do mundo, onde vai haver um casino, onde vai haver apartamentos destinados a serem escritórios e não ao alojamento. E será que não temos a capacidade de construir casas minimamente acolhedoras para todos os sem-abrigo e desalojados?
Temos livros, computadores e outros materiais que trazem conhecimento, mas mesmo assim, voltamos a privar grande parte da humanidade destes. Faz sentido que nós, seres inteligentes e sempre em busca da verdade e do conhecimento, possamos atribuir um preço a isso? É que os índices de analfabetismo continuam elevados no nosso mundo.
E a medicina? Porque é que todos os animais, Homens, tempo e esforço que lhe foram dedicados, todo o conhecimento e tecnologia que desenvolvemos e desmistificámos sejam agora trancados numa clínica que não poderá ser aberta com uma chave, mas com várias, várias notas, e só por alguns?
Porque será que se tem de pagar por todos estes “benefícios” da idade moderna?
A minha explicação é que toda a investigação científica ou tecnológica só é possível graças a grandes investimentos monetários que se fazem e graças a todas as mentes brilhantes que se prostituem por dinheiro a grandes empresas ou laboratórios monopolistas cujo único interesse é obter mais e mais dinheiro, porque dinheiro significa poder, estatuto e benefícios. E todos nós queremos esses três ingredientes da sopa do capitalismo; se isto não fosse verdade já não viveríamos neste sistema económico.
Deixem-me contar-vos uma história …
Era uma vez um pequeno e pobre país da Ásia onde os habitantes sofriam de fome, porque os seus campos agrícolas não eram capazes de produzir bom arroz. Então uma empresa, em conjunto com um certo número de cientistas, organizaram-se e comprometeram-se a modificar arroz para que fosse, não só de boa qualidade e nutritivo, mas também capaz de se cultivar naquela zona. Isso seria feito de graça, e assim foi… Mais tarde, a empresa que tinha ficado com a patente do arroz, apercebeu-se que realmente o seu projecto havia sido um sucesso e então começou a cobrar dinheiro por ele. Os agricultores que puderam pagar as suas sementes conseguiram sobreviver, o resto, a maioria, voltou para o seu estado inicial de fome. Deixem-me só dizer-vos uma coisa, aquele país, afinal, não era assim tão pequeno.
Imaginemos este caso hipotético para percebermos melhor como a ciência e o dinheiro andam de mãos dadas e não por caminhos opostos: uma grande equipa de cientistas desenvolve a vacina capaz de matar o vírus da SIDA. Claro que só o conseguiu porque esta equipa foi financiada por um laboratório que ficará com a patente da vacina. Essa empresa como dispensou muitos fundos vai agora querer não só recuperá-los como também ter bastantes lucros. Portanto, a vacina não vai ser gratuita para ninguém. É injusto e irracional poder-se comprar a saúde. Mais uma vez palmas para o capitalismo e para todos nós, os capitalistas. Como a SIDA é a epidemia do século XXI, a vacina iria ser o best-seller das vacinas, sabendo disso, o laboratório vai obviamente cobrar muito por ela.
Assim, é óbvio e previsível que só quem tiver dinheiro poderá usufruir da ciência e da tecnologia o que parece absurdo e é realmente absurdo.
Por isso, quem não tiver dinheiro, muito dinheiro, irá pertencer ao largo grupo dos excluídos da sociedade, os pobres.
A minha solução é abandonarmos este vício que temos pelo dinheiro e apercebermo-nos que não é justo haver diferenças entre nós que não sejam baseadas naquilo que nós somos, na nossa essência, ou seja, não é minimamente justo diferenciarmo-nos por aquilo que possuímos, por algo tão material e falso.
Se continuarmos com esta linha de pensamento e com este modelo económico, sempre que a ciência der um passo, o ser o humano vai regredir outro, porque estaremos a aumentar a pobreza e a exclusão social.
E não é correcto dizermos que querermos acabar com a pobreza porque para acabar com a pobreza teremos também de erradicar a riqueza, pois se uma destas realidades existir, a outro também existirá.
Em conclusão, não há nenhum paradoxo nesta situação, mas uma irracional consequência da sociedade materialista onde a tecnologia e o progresso humano só estão disponíveis para alguns.
Diogo Bastos, 11º 6