terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
A vida não tem ctrl-Z.
A vida não tem ctrl-Z. A metáfora que surge a propósito do último trabalho de Paulo Pereira, e que se segue a "Copy-Paste" de há dois anos, vem colocar uma multiplicidade de problemas subjacentes à contemporaneidade, da qual muitos retiram a não-impossibilidade como caraterística mais saliente. Já assim foi nos primeiros anos do século XX, quando ainda se lambiam as feridas no narcisismo Humano causadas pela descoberta das forças do inconsciente. A humanidade de então convenceu-se que nada escaparia ao alcance da técnica e das ciências exactas que a suportavam. Curiosamente, o maior fascínio vinha da Biologia, então ainda jovem e das Ciências Humanas praticamente acabadas de nascer.
Hoje como ontem, também temos de sobra os nossos fascínios tecnológicos e também eles comandam a vida, como diz o poeta. A tal ponto que se impôs ao artista a necessidade deste sublinhado. Ctrl-z. Tão vizinha e próxima de outra função, essa sim radicalmente humana - a memória - e ao mesmo tempo tão estéril comparada com a reconstrução actual de uma fase anterior, ou de um momento passado, pela lembrança. Sublinha-se e elege-se como metáfora de uma contemporaneidade marcada ao mesmo tempo pela impossibilidade de não comunicar e pela virtualidade da realização. Como se cada operação ou fase tivesse a possibilidade de ser revertida. Como se as rotas traçadas e percorridas tivessem volta e um histórico acessível, digitalmente actualizado. É relegada para segundo plano a memória que se alimenta dos dados do passado ocorridos em contexto, e também o projecto, enquanto visão de um futuro contextualizado. A obra que se apresenta é simultaneamente uma síntese e projecto, pelo que deixa adivinhar a partir de diversas ideias plásticas concretas, diversos universos estéticos, por assim dizer de forma simplificada, que conectados entre si, pela autoria e pelo percurso, beneficiam e aproveitam na sua leitura, do elenco fotográfico central. Do ponto de vista da contemplação sente-se clarividência ao percorrer as peças simbolicamente conectadas em múltiplas relações biunívocas, todas elas apresentadas de uma vez, mas temporalmente separadas na sua criação e nos seus contextos.
A expressão humana também não tem Ctrl-z porque a expressão de alguém acontece num dado tempo, espaço e contexto emocional irrepetíveis. É no entanto um belo exercício estético revisitar de uma assentada estações ou estádios do percurso que nos deixam uma sensação de valor de um trabalho contínuo, cuja contemplação é tanto mais satisfatória quanto a educação visual nos permite.
Paulo Lucas