SOBRE A ALEGORIA DA CAVERNA E “THE TRUMAN SHOW”
#O que pode significar, nos dias de hoje, a caverna? E o que poderá ser necessário para sair dela? É possível afirmar que a nossa sociedade, também pode ser entendida como produtora de sombras? as imagens publicitárias, as ideias dominantes, os bens materiais que nos são apresentados como “indispensáveis verdadeiros", sê-lo-ão realmente? Será que a partir da ideia de Platão - que defende a necessidade de deixarmos a aparência do mundo sensível - se pode subentender também a possibilidade de uma crítica ao mundo actual, para o qual o que parece importar é possuir mais ou consumir mais? Pode estabelecer-se um paralelo entre a Alegoria da Caverna e o filme “The Truman Show” de Peter ? E estando no lugar de Truman, como teria agido em circunstâncias idênticas?
RESPOSTAS
A Alegoria da Caverna, pode, nos dias de hoje, ser transposta como modelo de interpretação da nossa sociedade. Pode significar aquilo que nos rodeia, aquilo que vemos, tocamos… ou seja, o marketing, a atitude do consumidor consumista, em suma, pode retratar a nossa relação com o consumismo. Através destas duas ilusões, vamos ficando cada vez mais perdidos no mundo sensível, num Mundo cheio de grilhões e sombras, prisioneiros de nós próprios, porque afinal de contas, nós somos a sociedade. Cada vez mais distantes do Conhecimento, e mais distantes da racionalidade, da inteligibilidade, metemo-nos cada vez mais, num buraco de onde dificilmente sairemos, se assim continuarmos. Depende apenas de nós mudar o nosso pensamento e mudar também a nossa atitude perante a Vida e as questões que nos vão aparecendo. Com auxílio ou não, temos que ser capazes.
Para sairmos desta Caverna, precisaríamos de vislumbrar a luz do Sol para nos apercebermos do quão presos, do quão agrilhoados estávamos. É, contudo, um processo doloroso e lento. Esse novo mundo só está ao nosso alcance se estivermos prontos e aceitar uma realidade diferente, um mundo diferente, vivências distintas. Claro está que, mentalmente, temos que estar preparados para tudo, para o positivo e o negativo, o yin e o yang. Prontos, também, para deixarmos de ter a presunção de que aquilo que nos rodeia, envolve, é inequivocamente real. Não! Por isso, o abandono do Mundo sensível para o alcance da realidade, esse sim, é o desafio mais difícil, aquele que nos põe à prova enquanto seres racionais, o que exige a racionalidade que devemos atingir.
Preocupante é a quantidade de sombras que a nossa sociedade produz, nós somos aliás, essas sombras mais que reproduzidas na utopia de uma inconsciente imperfeição. Somos como que marionetas controladas pela realidade, confundindo-nos com ela própria. Mas não, ela é tão produtora de sombras que produz ilusões até mais não. Afinal, saber que já sei tudo, quando há uma infinidade de coisas a saber e não ter consciência da ignorância, é uma ilusão. Mas há que acreditar que existe outra realidade, como já referi. A de enfrentar o Mundo com frontalidade, até porque temos uma motivação: assim que atingirmos o inteligível, não voltamos mais ao Mundo sensível. No entanto, o paradoxo mantém-se: como podemos nós mudar de postura, de mentalidade, se continuamos a ser comandados e programados como ilusões, como sombras? Muito sinceramente, não sei se tenho resposta inteiramente satisfatória para esta questão. Decerto que a resposta se constituirá como pergunta entre tantas outras, mas na minha ignorância não encontro ainda uma resposta que faça sentido.
É minha convicção que nem tudo o que é racional seja irreal. Porque se assim fosse, a filosofia não viria dar sentido às coisas. Nem tudo o que vemos é irreal, só assim há bom senso. Ainda que esta questão posta pela filosofia abra novas portas, novos sub-mundos filosóficos, novos princípios de escolha, há que estabelecer um equilíbrio entre a realidade e a ilusão. Tem que haver e há. Podemos não lhe tocar, ou seja, pode ser abstracto, mas desde que saibamos e tenhamos a certeza de que realmente existe (ex: sentimentos) , mesmo pertencendo ao Mundo sensível, sabemos que não são ilusão, já que , por mais que avancemos no doloroso processo de aprendizagem, não perdemos este “objecto abstracto”, o que só vem fundamentar o equilíbrio entre o certo e o errado, a ilusão e a realidade.
Pois eu vou aprendendo, vou crescendo, mas não posso deixar completamente tudo para trás, daí a realidade das imagens projectadas na parede. Apesar de nós sabermos que era uma ilusão pura e dura, para os presos, não era. Nada mais era se não a realidade deles, aquilo com que eles se habituaram a lidar e a viver. Mais um paradoxo… Como pode uma coisa irreal ser real? Bom, penso que será pelo hábito, por nos sentirmos confortáveis nas nossas concepções, dão-nos segurança. Todavia, não evoluiremos, não tomaremos consciência da ignorância que tínhamos. As imagens, os bens materiais, os ideais, não são constantemente dominantes, quem o é, é a ilusão.Somos levados ao consumismo através das sensações. No acto de consumir, mais do que adquirir e consumir algo que nos iluda, estamos a ser consumidos pelo consumo, consumidos no acto de consumir. Se, para alguns classificamos tal acto como uma extravagância, é porque presumimos só o fazer de vez em quando. Mas não… Há, constantemente, pessoas que, de tão consumidas pelo consumo, não conseguem parar de o fazer. Para além disso, temos a ajudar o marketing e a publicidade, palavras que em si mesmas definem “ilusão”. Com estas potentes armas sempre prontas a disparar, ficamos ainda mais marionetas do consumo, passando ele a controlar a nossa vontade, e o nosso desejo de consumir. Penso que é da Natureza Humana deixar-nos levar pelas sensações, mas creio que, quando atingirmos o “belo” de Platão, saberemos agir com dignidade.
Incondicionalmente, a principal semelhança entre o filme “The Truman Show”e a Alegoria da Caverna, é a vivência desta ilusão. Enquanto que no filme, toda a história, todos os acontecimentos se centram numa só pessoa, alvo de um esquema maquiavélico, na alegoria da Caverna temos um conjunto de prisioneiros envoltos na mesma ilusão, a de tomar o mundo das sombras, da aparência, pela realidade. No filme de Peter Weir, o artifício é dono de tudo, apodera-se de tudo, encobrindo por completo a realidade. Truman, personagem principal, está programado para não sair da ilha em que sempre viveu, e que, por sinal, é um estúdio de televisão. Mas apesar das escolhas serem dele, todas elas são “pensadas”, para que a série não acabe. É notável como Truman se adapta à sua vida pacata, aparentemente perfeita. Contudo, o desejo de Truman sair daquela ilha é tanto, que acaba por fazê-lo, da melhor porque mais inesperada forma. Para o conseguir, ou seja, para passar da ilusão para a realidade, não teve qualquer auxílio.
Foi através de muitas perguntas, de muitos “porquês?”, que foi conseguindo avançar e vislumbrar um feixe de luz, do conhecimento real. Recordo também os cartazes contraditórios, como os da agência de viagens, que apresenta o paradoxal poster de um avião em risco de se despenhar, e a advertência, “poderia acontecer-lhe a si”. Afinal não é o principal objectivo de uma empresa deste ramo, vender viagens? Claro, mas como não queriam que o Truman deixasse Seahaven, assumem a contradição da situação só para o manterem na sua dourada caverna. O processo de libertação foi doloroso, angustiante, quase parecia conduzi-lo à loucura, mas conseguiu, abandonou tenazmente o mundo sensível e atingiu o inteligível como diria Platão, tendo como motivação a busca do amor de Sylvia, mas também a busca pelo mundo desconhecido, sua obsessão desde a infância.Na Alegoria da Caverna, Platão tenta mostrar-nos a ilusão escondida nas pessoas, como acontecia no “The Truman Show” . Assim que os prisioneiros se começaram a erguer, lentamente, a partir os grilhões, a mexer o pescoço, a andar, começaram a ter a noção cada vez mais crescente, do quão irreal era sua vida e do quão ignorantes eram afinal. O mesmo acontece com Truman, depois de ter percebido em que “realidade”estava inserido, começou a ter consciência das coisas, a ter coragem para enfrentá-las e partiu…
Saber se eu, nas mesmas condições, teria feito o mesmo que Truman? Sendo frontal e directo, se as circunstâncias assim o permitissem, diria, muito sinceramente, que sim. E porquê? Porque sou uma pessoa que não gosta de viver iludido, que gosta de ver os seus anseios esclarecidos, e já me teria questionado sobre o que se passava. E não digo isto por ter visto o filme, digo-o porque é assim que sou, porque tento a cada dia ser melhor, tendo em conta aquilo que me rodeia. No mundo em que o Truman vivia, eu não conseguiria evoluir, e sendo assim, só alcançando a verdadeira realidade é que começaria o processo de mudança. Mas sou franco, se não tivesse tido oportunidades para me libertar do mundo sensível, não teria chegado ao final, ou seja, apesar de não ser uma pessoa que desista, a angústia e o desassossego seriam tantos que se apoderariam de mim, não permitindo que tomasse consciência dos meus actos.
Muitos “Trumans” iremos conhecer nós ao longo da nossa caminhada, em circunstâncias e locais diferentes, mas com o mesmo pensamento e atitude: a de querer visionar o outro lado do Mundo, de abandonar a ilusão em que vivo… Apesar de todo este desejo, será com a filosofia que poderemos procurar as respostas, que podemos ser ajudados no que precisamos e, suscitando mais questões e novas respostas, numa incessante busca do Conhecimento.
Luís Filipe Almeida - 10º5