sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Formação de Professores - Depoimentos


Recordar é, provavelmente, um acto imperfeito, cujo resultado é sempre lacunar, fragmentário. Podem-se recriar sensações, impressões, episódios, mas estes estarão sempre definitivamente marcados pelo fluir do tempo.
Assim, porque recordar é olhar o passado com os olhos do presente, relembro os dias que passei na Escola Secundária de José Falcão, consciente de que o tempo que me separa dessa época e as experiências por que passei noutras escolas mudaram as minhas impressões sobre esta instituição, onde ingressei como professora estagiária em 1994.
Inicialmente, pouco ou nada sabia sobre a escola, mas atraiu-me a ideia veiculada pelos meus colegas de curso que a consideravam "muito exigente" e "pouco atractiva". Este facto permitiu-me escolher as colegas com quem iria trabalhar, o que veio a revelar-se uma opção acertada.
Desse primeiro ano como professora, guardo na memória espaços, pessoas, sentimentos, e não tanto episódios, que se foram esbatendo e diluindo. Recordo como me senti um pouco curiosa e receosa perante aquele grande edifício antigo, acinzentado, rasgado por múltiplas janelas, em cujo interior longos corredores se sucediam, alguns surpreendentemente vazios, outros assemelhando-se a alas de um museu. Nestes, a profusão de objectos cuidadosamente expostos, um velho piano abandonado e o "Quadro de Honra", então vazio, surgiam como testemunhos inesquecíveis de outros tempos. As muitas portas que regularmente se alinhavam ao longo dos corredores abriam-se para salas de aula, com os seus altos estrados que, ao mesmo tempo, me expunham e protegiam dos olhares interrogadores dos alunos quando sentiam a minha insegurança e inexperiência.
Este ambiente silencioso e calmo era apenas momentaneamente quebrado quando os alunos ruidosamente enchiam os corredores entre uma aula e outra. Então, durante alguns minutos, o velho edifício parecia ganhar novo alento.
Recordo-me também do acolhimento distante dos outros professores, que olhavam com alguma indiferença e desconfiança para os muitos estagiários como eu, que ainda se sentiam pouco à vontade no seu novo papel. Longas horas se passaram a escutar as alegrias e tristezas de cada um, aulas foram contadas ao pormenor, ditos e comentários de alunos amplamente discutidos, momentos em que partilhámos o cansaço e a euforia que sentíamos.
Vem-me ainda à memória as minhas orientadoras, as professoras Leocádia Regalo e Clara Sobral, que ouvíamos, por vezes, com algum temor quando os incentivos, que sempre nos davam, se tornavam em críticas… As muitas aulas em que, do fundo da sala, o seu olhar avaliador se cruzava com o apoio silencioso das minhas colegas.
Guardo principalmente os rostos dos meus primeiros alunos, uns ainda muito jovens, alegras e sempre prontos para novos desafios, e outros mais compenetrados, já preocupados com o dia em que deixariam aquela escola para seguir os seus sonhos.
Só anos mais tarde, quando regressei, me senti verdadeiramente uma dos muitos professores que trabalhavam nessa escola. Liberta da tensão que um estágio acarreta, passei a vê-la como um local acolhedor, estimulante, que exigia, mas também nos aliciava a dar o melhor de nós. É por isso que, ainda hoje, ela permanece tão viva na minha memória e ocupa um espaço muito especial entre todas as outras escolas por onde passei.


Dr.ª Teresa Belo
Professora do 8.º Grupo B