sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Formação de Professores - Depoimentos


Não fui aluna do Liceu D. João III, mas, quando nele entrei (corria o ano de 1975), para fazer o meu estágio pedagógico de professora de liceu, curiosamente não senti qualquer dificuldade de adaptação. Era como se estivesse em casa, como se regressasse… "Surpresa de uma tal serenidade, /toda eu intimamente me sondava" (obrigada pela ajuda, Augusto Gil), mas depressa percebi que, saída da Faculdade de Letras de Coimbra, vinha habituada ao convívio com o rei D. João III, que dava habitualmente audiência no Pátio da Universidade. Quando dele me despedi no final do meu Curso, estranhei que ele me dissesse "até breve!". Mas, ao entrar no querido edifício do velho Liceu D. João III, entendi: era a mesma figura tutelar que acompanhava os meus passos. Favores reais! E não era pequena honra entrar numa Escola que, no passado, chegara a ser a única instituição do País, onde funcionavam os estágios pedagógicos a nível secundário.
O estágio, visto a distância, filtrado por informações díspares de colegas que me haviam precedido, não se pode dizer que fosse algo muito tranquilizante para mim, que era tão feliz na Universidade. Na altura, os orientadores de estágio eram uns seres que, segundo a tradição, infundiam respeito, admiração e… temor. Pobres estagiários! Mas a ideia era falsa, estava errada (há sempre quem goste de assustar os neófitos…), porque os professores orientadores de estágio que encontrei, a Dr.ª Maria Alice Nobre Gouveia (que, a esta hora, deve estar a ensinar os anjos), o Dr. José Bernardo Cardoso Margarida, mestre venerado, e a Dr.ª Maria Edite Ferreira, em boa hora chamada, apesar de tão jovem, a estes trabalhos de formação, se encarregaram de, rapidamente, me mostrar que, nesta Casa, nunca houve conflito de gerações e que os trabalhos de estágio eram, afinal, outra forma de dizer encontros de amigos, uns mais sábios e experientes que outros, evidentemente. Aprendi muito, porque de todos recebi ajuda. Até dos queridos funcionários da Escola, que apoiaram uma jovem de 22 anos! Ainda hoje, 30 anos volvidos (não há mal nenhum em dizer a idade que se tem… mas vale a pena dizer que foram todos passados na mesma Escola), quando tenho a alegria de encontrar o Dr. Margarida e a sua barba patriarcal, nunca isenta de ternura, é com gratidão e inalterável simpatia que o cumprimento. E muito respeito! Continua a ser o "meu" orientador. Só meu? Perguntarão. Então e os outros estagiários? Respondo: só meu, porque a relação pedagógica é como a relação amorosa, mais do que dois é um contra-senso.
Ao recordar estes mestres caríssimos, que me iniciaram na minha profissão (a Dr.ª Edite Ferreira, essa, mais do que orientadora, foi uma espécie de irmã mais crescida, que ainda o é agora), penso, inevitavelmente, nos quase incontáveis alunos a quem, ao longo dos anos, transmiti a mensagem. Quando digo "incontáveis", sinto que a palavra é uma força de expressão, porque de todos os alunos que tive (e tenho) guardo uma recordação inolvidável. Talvez não sejam 500 ou 830 (eu sei lá! Só usando uma máquina de calcular!), mas os seus rostos vão ocupando, no tempo, os espaços cativos da galeria dos meus afectos.
E, quando alguns deles vierem, por seu turno, a ser estagiários na nossa Escola, se eu ainda cá estiver, recebê-los-ei naturalmente com um "sede bem-vindos!", que, na minha memória ecoará o "até breve" que ouvi, há muitos anos, da boca de mármore duma estátua de um rei.

Dr.ª Maria da Graça Pulquério
Professora
do 8.º Grupo A