Regresso a este Liceu, a esta fonte dos meus saberes, sessenta anos depois de, após as férias do meu sétimo ano, ter vindo aqui receber das mãos do então reitor, o prémio nacional de melhor aluno desse ano escolar. Vim após as férias porque fiz questão - já então por escrúpulos de ideologia nascente - de não ter querido recebê-lo na cerimónia oficial, rescendente a Mocidade Portuguesa, que teve lugar no fim do ano escolar, para entrega desse e outros prémios. O reitor não deixou de me cobrar essa recusa. Hoje, orgulho-me dela. Espero o vosso perdão para esta pequena vaidade. Aqui vivi, a aprender, tantos anos quantos de pastor Jacob serviu. Sete anos, não sete dias. Entrei de calções e saí de calças compridas e de capa e batina, esse espantoso refúgio dos alunos pobres que tapa o frio, resiste ao calor, e se jacta, valorizado, dos seus próprios rasgões. Não foram, para mim, anos penosos. Os exercícios, para mim, não eram difíceis; os exames quase um passeio; a absorção de saberes um deleite. Findo o terceiro ano, limite da obrigatoriedade de pertencer a ela, risquei-me da Mocidade Portuguesa. Não já por atitude política. Era cedo para isso. Mas para libertar o sábado de penosos programas paramilitares.(…).
Tive excelentes professores. Metodólogos, muitos deles. Recordo-os com gratidão e saudade. E encontrei aqui algumas das mais fiéis e duradouras amizades de sempre. Com alguns desses amigos - os mais próximos, fui reunindo em reencontros de amizade pautados por inolvidáveis recordações. O último desses convívios teve lugar há apenas alguns meses. Tenho sempre a sensação de que amizades dessas – anterior às divisões dos egoísmos familiares, das profissões, dos interesses e das ideologias - não voltou a haver. Saí daqui - saímos daqui - com uma boa formação geral. Nesse tempo, a unidade do saber, princípio a que agora tende a regressar-se, era levada a sério. E o próprio peso da ditadura política que pairava sobre toda a vida nacional, encontrava tempero em professores que estavam longe de lhe respeitar os constrangimentos. Alguns dos meus professores influenciaram mesmo a minha posterior opção política.
Sessenta anos são muito tempo. Talvez por isso, recebi com desvanecimento e com júbilo o convite do Ilustre Presidente do conselho Executivo do meu velho liceu, que em boa hora recuperou o seu honrado nome, para proferir esta descolorida comunicação, que pretende ser a minha homenagem a todos os que aqui trabalham e aprendem, ao meu antigo liceu, à memória dos meus mestres e à recordação dos seus alunos meus contemporâneos.
2. Descendente de uma família de professores, conservo da escola a ideia platónica de que, nela, se educa o cidadão para a virtude cívica e ética. É sabido que Platão via na criança a cidade grega em ponto pequeno. Em seu juízo, expresso na ''Republica'' e nas ''Leis'', a estabilidade da ''polis'' decorria directamente do enraizamento das regras certas na alma do futuro cidadão, gerando nele disposições salutares. ‘‘Um homem bem educado - sentenciou - será também um homem virtuoso''. Adaptando à defesa da educação a sua famosa alegoria da caverna, Platão afirmou que, sem educação, ''o povo continuaria na caverna, de costas para a luz, acorrentado a um mero jogo móvel de sombras, sem saber que, fora dela, brilha a verdade''. Dói-me ter de relembrar que, nos meus tempos de estudante de Coimbra, a chaga do analfabetismo rondava os 70% da população portuguesa. Como foi isso possível, tanto tempo depois do século das luzes? Com o fim da civilização grega, o advento da civilização romana, e o despertar do cristianismo, a sabedoria e a ciência deixaram de ter específicos deuses pagãos, e em nome do novo deus único privilegiou-se a fé, desvalorizando o conhecimento.
Até ao dealbar do Iluminismo, e mesmo depois disso, saber ler e escrever foi um privilégio de casta, com refúgio seguro nos mosteiros, Os próprios reis não raro se faziam substituir por leitores e escribas, pela razão elementar de que não sabiam ler nem escrever. O primeiro grande impulso dado a políticas de educação foi dado pelas revoluções liberais. No nosso país, a primeira República, a compensar os erros e os excessos em que também incorreu, teve a coragem - à época bem precisa – de privilegiar a difusão do conhecimento e do espírito científico. Volta-se hoje a esse tipo de linguagem.
Foi o tempo da criação de Escolas Normais, incumbidas de preparar os professores; o tempo de dignificação do professorado, o tempo de desescolastização do ensino.(…)O Estado Novo tentou recuperar o escolasticismo, a natureza confessional e a pedagogia politicamente direccionada do modelo de ensino anterior à República. Mas só em certa medida o conseguiu, Foi já com a Revolução de Abril que um vento de mudança procurou arejar de novo o sistema educativo herdado. Revolução caracterizada pelo excesso, foi, a esse respeito, não raro excessiva. Entretanto, uma outra revolução - a tecnológica- estava minando os alicerces do mundo anterior a ela. Persistentemente, continuou a miná-los. E passaram a justificar-se rupturas onde só continuaram a ter lugar reformas. Resultado: três décadas depois de Abril, o nosso sistema educativo é ainda, globalmente, e em certo sentido, um caos inordenado.
Assim basicamente porque, nas últimas décadas, uma espécie de sismo de grau nove da escala de Richter desabou sobre todos os modelos anteriores à revolução tecnológica: políticos, económicos, sociais e culturais. Educativos também, naturalmente. O mundo era um e ficou outro. Era grande, distante, ignoto, parcelado em unidades nacionais e estaduais, deveio pequeno, próximo, devassado e único. Abateram-se as fronteiras; avizinharam-se os antípodas; instantaneizaram-se as comunicações; facilitaram-se as deslocações e os contactos. O impensável aconteceu. Comunicamos hoje, sem fios, à velocidade da luz. Deslocamo-nos agora a velocidades superiores à do som. Muito do que era plural, deveio singular. Único – ou globalizado, como correntemente se diz - é o espaço terrestre, o ciberespaço, é o mercado. Globais são as informações, as notícias, as diversões, as bolsas, os "offshores", as máfias do crime organizado. Redutíveis à unidade tendem a ficar as identidades. A recebermos sistematicamente as mesmas notícias; a assistirmos, via televisão, aos mesmos espectáculos, a lermos, em tradução os mesmos livros; a navegarmos na mesma Internet; escravos da mesma publicidade, dos mesmos consumos das mesmas modas e das mesmas marcas; dependentes das mesmas tecnologias; envergando as mesmas "t-shirts"; Comendo à pressa os mesmos "hamburgueres"; trauteando as mesmas canções, que espaço fica para a preservação das identidades pessoais, regionais e nacionais? Até nesse aspecto o mundo ameaça ficar único! Mais relevante que tudo isso: a nossa dependência da informática, da electrónica e da cibernética. Isto é: dos instrumentos de que a ciência e a técnica se servem para, progressivamente, ir tornando global o que era circunscrito, e único o que era plural.
Ainda não sabemos qual o ponto de chegada desta revolução globalizadora. Talvez um Estado global, uma federação planetária, um governo mundial. Não faltará quem resista. Mas será cilindrado. Entretanto, a globalização avança sem organização e sem regras, às costas das velhas instituições e dos velhos modelos organizativos e funcionais. Quem não percebe que esta espécie de resistência à Nova Ordem Mundial, de que tanto se fala, e tão pouco se cuida, é fonte de desequilíbrios políticos, económicos, socais, culturais, ecológicos e outros de que já estamos a pagar o preço?
Um desses desequilíbrios, porventura o mais, grave, consiste no facto de continuarmos a fazer de contas que não sabemos que o computador, a televisão, a Internet – de banda curta e agora, sobretudo, a de banda larga – o telemóvel, ferramentas de que a civilização informática, electrónica e cibernética se servem para mudar radicalmente as nossas vidas, constituem salas de aula virtuais da escola - outra a que por comodidade chamarei mediática, "a latere" da escola clássica. Essa escola-outra, apesar de como tal não considerada, tem hoje mais influência e influência mais decisiva e duradoura, na educação - deseducação e na formação- deformação do cidadão moderno. Aparentemente, ainda não tomámos consciência disso. (…) Com a agravante de que o sistema escolar mediático é lúdico - lecciona ao domicilio, não exige propinas, não passa exercícios de casa, não marca exames nem dá notas, não exige esforços de raciocínio ou de memória, distrai e diverte - enquanto que a escola oficial é o contrário de tudo isso. Essa agravante, aliás, não é a única. Pois também agrava os defeitos da escola mediática o facto de ser a única escola que lecciona do berço à cova. Matricula a criança mal ela aprende a premir uma tecla ou a rodar um botão, e nunca mais a larga até ao fim dos seus dias. Inscreve na criança os mais incipientes saberes, sendo dela o mais das vezes, a única ''baby sitter'', sempre que os pais trabalham e não têm posses para pagar a uma outra. Entre a televisão e a rua, - escola de más tentações - os pais, apesar de tudo, preferem a televisão. A criança confunde a ficção com a realidade? Confunde. Familiariza enquanto plasticina moldável, com os anti-valores do breviário do consumismo, da competição, da violência, do hedonismo e da pornografia? É um facto. Mas é o preço que a vida moderna exige do que resta da família. Foi primeira escola. Antes mesmo do pré-primário, educava. Não educa mais. Agora, quando chega à escola oficial, a criança leva a mochila mental de três a quatro mil horas de televisão, se as estatísticas não mentem. Ainda não sabe ler - longe disso – e é já um ''zappeur'' de elite. Já se disse que, ''após vinte e quatro imagens de ficção, a vigésima quinta é verdadeira''. Será preciso levar tão longe a conta?
Psicologicamente dependente do sensacionalismo televisivo, sem o espaço de um raciocínio, assim se manterá até ao fim da vida. Teleruminará, até ao ultimo suspiro. Dito isto, teremos direito a espantar-nos com as saltas percentagens do absentismo e do insucesso escolar? Identificado com o herói dos filmes da TV, que mata que se farta, e no fim, em vez de ir para a cadeia, vai para a cama com a rapariga loura, como convencer o aluno oriundo de uma família pobre, que preenche o vazio de casa dos pais com a flandulagem da rua, de que deve queimar as pestanas a estudar para no fim ganhar o salário mínimo, ou mesmo engrossar a multidão dos que procuram trabalho?
Vertiginosamente se vulgariza também a Internet, com as mesmas e outras seduções. Constitui um assombroso centro de dados que dispensa a memória e põe ao dispor do navegador do espaço todas as informações, todas as notícias, todas as bibliotecas, todas as discotecas, todas as opiniões, todas as almas gémeas unidas por interesses, paixões ou revoltas comuns, organizadas em ágoras virtuais que com o tempo se institucionalizam, veio para provocar no Mundo moderno por ora mais inapreensível revolução civilizacional. O voto electrónico é já uma experiência consumada. Os parlamentos virtuais ameaçam ser outra. A democracia electrónica ameaça abalar os alicerces da democracia parlamentar e pluripartidária. A democracia directa ameaça desalojar a representativa. É um regresso às origens. E, descendo a operações e realidades mais triviais, através da Internet, e sem sair de casa, já hoje se compra, se vende, se movimentam depósitos, se pagam impostos, se preenchem formalismos, se namora, se casa e se descasa. (…)
O seu escopo, e a sua preocupação, são bem outros: agradar para conquistar altos níveis de audiência; através desta, rácios confortáveis de publicidade; em pagamento disso, receitas que lhe assegurem a sustentabilidade e um lucro satisfatório. Esta lógica é demencial para uma escola tão influente na educação e formação do cidadão de hoje e de amanhã. Mas é a lógica a que as escolas mediáticas obedecem. Produzem seres consumistas, competitivos, egoístas, violentos, amorais? Paciência! A alternativa seria falirem por não agradarem o bastante.
3. Que fazer?
Confesso que não sei. Sei, sim, que não é fácil a resposta. A informação, herdeira da liberdade de imprensa, nasceu, pois, como uma liberdade. E como tal continua.(…) Ainda não surgiu uma só ideia redentora! Tendo a pensar que, se o mal está na lógica mercantil que domina a actividade das escolas mediáticas; e se essa lógica é afinal a que preside à actividade económica toda ela, o que se faz mister é por em causa, na definição da Nova Ordem Económica e Política do futuro, os princípios da livre competição e do máximo lucro, ou sejam os dogmas da economia ultra-liberal. Ter a coragem de desrespeitar a memória do Sr. Adam Smith e a mentira dos equilíbrios da sua ''mão invisível''. Invisual é o que ela é, porque não vê que, ao ter ficado só em campo, liberta da competição do modelo colectivista do Leste Europeu, multiplicou o número de pobres, analfabetos e desempregados. Um em cada três seres humanos é já hoje pobre, analfabeto ou desempregado. E esse número cresce sem cessar!. Que mais precisamos para levar a mão invisual ao oftalmologista, condenando-a a ver o resultado das suas mentiras? De resto, a dita sociedade do conhecimento, da técnica e do saber, vai por em causa tudo isso e exigir uma revolução nos modelos e equilíbrio do passado. (…)
Produzir é preciso, desde que salvaguardemos sustentavelmente as reservas naturais não renováveis. Mas distribuir também. Capitalismo equilibrado na produção, nada contra. Socialismo equilibrado, ou seja equidade, na distribuição, tudo a favor. Assim se conciliariam em termos hábeis os dois modelos que se degladiaram e falharam. No novo Mundo, as escolas mediáticas poderão assumir o papel fundamental de verdadeiras escolas, ajudando as escolas clássicas a preparar o novo cidadão para a virtude cívica e a solidariedade. O sonho utópico de todos os federalistas - uma paz perpétua e universal -poderá então converter-se em realidade. Entretanto, cabe à escola clássica um papel importante: familiarizar-se com as exigências da sociedade do conhecimento e do saber, e com as novas ferramentas técnicas da sociedade informática, electrónica e cibernética, e adestrar no seu manejo os seus alunos, cidadãos do futuro. Prepará-los pois para, a partir de um saber básico, único para todos, aprenderem a aprender, ou seja, a actualizarem-se, no tu-cá tu-lá de todos os dias como computador, a Internet, o telemóvel multi-usos, ''o zapping televisivo''. (…)
4. O relógio recomenda-me que, me fique por aqui.(…)
É verdade que, sem um razoável patamar de igualdade, ainda que relativa, a liberdade é uma ficção. A um cidadão com fome, de que serve o voto? Mas o excesso de igualdade mata a liberdade. Morta esta, morre também a igualdade. Foi a lição dos modelos colectivistas dos países de leste. Inversamente, o excesso de liberdade, no temperado pela igualdade que é condição de dignidade, mata a própria liberdade. É a experiência do triunfo do ultra-liberalismo do Ocidente, após o fim da guerra-fria.
Munidos desta dupla sabedoria, temos de corrigir agora, sem esperar que igualmente implodam, os desequilíbrios da exasperação económica ultra-liberal. O Mundo não comporta por muito mais tempo em paz social, mais pobres, desempregados e analfabetos. Ou corrigimos o modelo que faz explodir o seu número, ou condenamo-nos a uma catarse social violenta, de que não é fácil prever os contornos.
Temos de substituir, ou no mínimo corrigir, o modelo capitalista e ultra-liberal baseado na competição, que faz do outro um adversário, ou no extremo um inimigo, no consumo artificial suportado pelo polvo publicitário, na concentração da riqueza como novo bezerro de ouro, no máximo lucro como nova divindade, no crescimento não sustentado como nova forma de suicídio colectivo a prazo.(…)
E concluo que uma liberdade universal se abeira do conceito de anarquia, que é a negação da liberdade. Para mim, a livre competição, por exemplo, não pode competir em dignidade e altura com a liberdade de pensamento. De igual modo a livre troca, o livre câmbio, a livre iniciativa económica, a livre especulação, a livre concorrência.(…)
5. Sobre ''os valores'', terceiro item do exercício de casa que me foi determinado, direi o quê? Pois que sofreram também, e continuam a sofrer, as consequências do sismo tecnológico que abalou o Mundo.
Durante séculos, quer os valores de base religiosa, quer os de base racional, caracterizaram-se pela estabilidade. Mantiveram-se imutáveis, ou pouco menos, a tentações de mudança. Muitos deles reclamaram-se mesmo do privilégio da perenidade. Mas, surpreendentemente ou não, viriam a revelar fissuras de transitoriedade, acabando por fragorosamente ruir. Hoje, é raro o valor ético tradicional que mantém, intacto, o seu poder de controlo dos pensamentos, das palavras e das obras do cidadão comum. O mundo moderno em larga medida se deseticizou. Os pilares dos valores éticos e comportamentais anteriores à última guerra eram a família, primeira tutela, primeira referência e primeira escola; a segunda escola, onde pontificava o professor, temido, respeitado, ás vezes amado; as Igrejas, delegadas de Deus na Terra, temido e amado simultaneamente; os Estados e a sua autoridade nas vertentes legislativa, administrativa, policial, em última instância militar; enfim, as comunidades rurais laboratórios e reservas de costumes salutares! O bem e o mal tinham fronteiras bem definidas. E o próprio juiz de dentro de cada um de nós, que nunca se jubilava, chamado consciência moral, vivia em permanente diálogo connosco. Mas as maravilhas técnicas posteriores à Segunda guerra Mundial viraram o mundo do avesso, subvertendo os seus tradicionais equilíbrios e a mesmice das suas rotinas. (…) O próprio Deus, durante séculos editor responsável dos mais sagrados princípios éticos, foi expropriado de alguns dos seus principais atributos, entre eles o da autoria, ou no mínimo do exclusivo, da criação da vida. A ciência genética, que ao decifrar o ADN provou a origem comum de todos os seres vivos, deu razão ao despojado Francisco de Assis, que se considerava irmão de todos os seres vivos. Sejamos francos: era razoavelmente esperável que os valores tradicionais, suportados por realidades que ruíram, se mantivessem intocados após esta colossal hecatombe? A família, dissolveu-se; a escola entrou em pane; as autoridades espirituais perderam audiência e altura; as comunidades rurais são asilos da terceira idade; a chamada consciência moral é hoje uma teimosia de velhos. O jovem cidadão, esse, desquitou-se de referências e tutelas, e é hoje o arquitecto único de si mesmo, senhor da sua vontade e do seu nariz, a ''última das autarquias'' no dizer de Burdeau. Os valores por que se pauta são os do hedonismo, da insolidariedade, do consumismo, da competição, da concorrência, do sucesso individual medido pela acumulação de riqueza. Aprendeu-os na escola - às vezes única - que frequentou desde mais cedo durante mais tempo, a escola mediática. Eis o homem novo, o homem sem valores éticos, na melhor das hipóteses o homem dos valores cívicos, com assento nessa nova Bíblia que é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, mais a filosofia social que lhe subjaz. Chega?(…) Nada disto impede que eu tenha de reconhecer que, em muitos aspectos, o Mundo é hoje melhor. O progresso científico iluminou trevas e libertou homens e povos. Derrubou ditadores, democratizou ditaduras. Mas, até agora, pelo preço de desequilíbrios organizativos, sociais e éticos que ainda não fomos capazes de evitar.
Sê-lo-emos um dia? É preciso não perder a esperança. Civilizações, sem excluir as mais brilhantes, nasceram e morreram. E houve rupturas civilizacionais, revoluções, renascenças. Porque não outras?
6. Imagino que, pelo menos alguns de vós, acharão por demais pessimista esta minha visão das coisas. Admito que o seja. Mas prefiro o pessimismo à desatenção e à indiferença. Já alguém disse que ''o pessimismo é hoje um dever cívico''. Estou de acordo. E relembro, a terminar, o conselho de Maquiavel ao Príncipe: ''Se queres evitar a revolução, faz a revolução''. Teve razão, o velho sábio. A pior das revoluções é a que nos surpreende, a que não foi feita a tempo por nós.
Foi um privilégio ter podido estar hoje aqui convosco.